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Legislar o mercado digital

Legislar o mercado digital: proteção do usuário versus inovação

Especialistas alertam que a criação e aplicação de legislação para empresas que operam no mercado digital caminha sobre uma linha tênue entre a necessidade de proteger os usuários e o risco de travamento do processo de inovação.

O alerta foi feito durante o segundo dia do evento de tecnologia Web Summit 2023, em Lisboa. O excesso de zelo em propostas de regulação de aplicações de inteligência artificial (IA) pode travar os processos de inovação tecnológica, demandar tempo, dinheiro e não necessariamente evitar os riscos para a segurança e a saúde de populações do mundo todo.

Segundo Andrew McAfee, cientista e pesquisador-chefe do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), é necessário mais inovação em áreas importantes, como a educação, e o caminho certo para o negócio de inovação é permitir que empresas como o Duolingo, aplicativo de ensino de idiomas, possam colocar seus testes em prática, refinar o que estão fazendo e ter um produto pronto para o mercado sem precisar de autorização de ninguém.

Entretanto, é importante que haja equilíbrio e um correto entendimento de legisladores sobre como a internet funciona, pois o próprio mecanismo da internet pode entrar em risco se não houver um entendimento adequado.

A presidente da Icann (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), Sally Costerton, alerta que, se os reguladores não entenderem suas funções, a internet pode entrar em colapso. O trabalho de conscientização e informação de órgãos reguladores do mundo todo tem sido intensificado pelos Fóruns de Governança da Internet (IGFs, na sigla em inglês), especialmente em um cenário global que se tornou mais politizado e polarizado nos últimos anos.

Internet sob ameaça

A internet é uma ferramenta fundamental para o trabalho e a comunicação, mas está sob ameaça devido à politização do mundo, alertou a presidente da Icann. Embora a estrutura da internet nunca tenha caído em seus 30 anos de existência, é importante que sejamos cuidadosos com ela.

A presidente da Icann citou a guerra entre Rússia e Ucrânia como um exemplo de como a internet pode ser usada como arma antes mesmo das ações militares em campo. A Ucrânia pediu para que a Rússia fosse retirada da internet, mas a Icann não pode tomar partido.

A Internet Society realizou cursos sobre a infraestrutura e o modelo técnico da internet para pessoas que atuam em torno de regulamentações e políticas públicas no setor. Andrew Sullivan, presidente da organização sem fins lucrativos, alertou sobre o impacto econômico das regulamentações em torno das plataformas digitais, elevando a barreira entre empresas que desejam inovar e as gigantes de tecnologia.

Sullivan acredita que a visão dos reguladores sobre o combate à desinformação é importante, embora acredite que o problema seja mais social do que tecnológico. Ele também citou como exemplo do que chama de rupturas da estrutura da internet os pedidos de quebra total de comunicações criptografadas.

A regulação da internet é um assunto delicado que caminha entre proteger o usuário e travar a inovação. As gigantes de tecnologia enfrentam desafios relacionados à regulamentação, democracia, liberdade de expressão, proteção de dados, transparência, posição dominante e concorrentes. Além disso, a regulamentação da internet envolve questões relacionadas aos direitos fundamentais e dados sensíveis.

O Supremo Tribunal Federal tem discutido a responsabilidade dos gatekeepers em relação ao abuso sexual de crianças na internet e a proteção de dados pessoais. A regulamentação da internet deve ser cuidadosa para não violar os direitos fundamentais dos usuários.

MIT critica a UE

O chefe de pesquisas do MIT criticou a proposta de regulamentação de IA da União Europeia. Ele afirmou que a lista de requisitos para entrar no mercado inclui mais dinheiro gasto, mais advogados contratados, mais desenvolvedores contratados e mais tempo consumido, o que o deixa menos animado com a abordagem generalizada de regulamentação.

A regulamentação atual acaba fortalecendo, e não combatendo os problemas, de redes sociais e outras plataformas digitais. As únicas empresas que possuem recursos financeiros para cumprir as regulamentações são as companhias maiores, o que acaba empoderando exatamente quem faz parte do problema. Quem não tiver esses recursos não poderá trazer uma proposta diferente.

A Lei dos Mercados Digitais e a Lei dos Serviços Digitais são importantes atos legislativos adotados pela Comissão Europeia e pelo Parlamento Europeu, que visam tornar o mercado digital mais justo e competitivo. No entanto, a crítica do chefe de pesquisas do MIT destaca a necessidade de equilibrar a proteção do usuário e a inovação, sem travar o processo de inovação.

Inovação sem permissões

Andrew McAfee, cientista do MIT, defende a inovação sem permissões e argumenta que colocar barreiras excessivas sobre a inovação não garantirá a segurança contra ameaças que usam a tecnologia. Ele acredita que a inovação é uma atividade imprevisível e descentralizada, e que a regulação excessiva pode custar caro para a inovação tecnológica.

McAfee reconhece que há inúmeros riscos em aplicações de inteligência artificial, mas defende que regras adicionais só devem ser criadas em caso de riscos ambientais, de saúde ou outros impactos negativos. Especialistas concordam que a transformação digital requer ferramentas e soluções digitais que promovam a interoperabilidade e a inovação tecnológica. A Web Summit é um evento que reúne especialistas em tecnologia e inovação para discutir as tendências e desafios do setor.